sábado, 8 de novembro de 2008

Descaso

Caminhando hoje pela Praça do Correio, avistei uma cena terrível, na qual somos constantemente estimulados a nos acostumarmos. A surpresa não foi o fato em si, apesar de causar um grande desconforto visualizar episódios que são cotidianos, porém não são nada agradáveis.
A cena foi a seguinte: Uma senhora já em idade avançada, estava de cabeça baixa, com um olhar triste e solitário, parecia parada no tempo, hipnotizada por algo maior, algo que só quem sofre por ter fome pode sentir. Passaram por ela alguns homens de idades variadas, uns mais jovens, outros um pouco mais velhos, porém todos carregavam, assim como a senhora , um olhar triste e solitário. O que me chamou atenção, foi o fato de um deles estar segurando um marmitex e ao passar pela senhora, jogou alguns pequenos grãos de arroz. A pobre senhora imediatamente levantou a cabeça e o olhar triste que clamava misericórdia, logo se tornou um olhar furioso, como alguém que clama por justiça. Como se não bastasse, além de toda humilhação, um outro homem ao passar pela senhora, levantou o braço e a agrediu. A senhora imobilizada diante de tantos homens a agredí-la, resistiu o quanto aguentou, porém, após muitos socos e "pontápés", ficou imóvel, assim como estava antes.
Entretanto, aquele olhar que só queria mostrar que existia vida naquele corpo, se mostrava cada vez mais triste e mais solitário. O ar de misericórdia existente em seu olhar, misturava-se com sentimentos e emoções que jamais poderiam ser definidos naquele momento.
Foi uma cena tão rápida, assim como um piscar de olhos, mas foi suficiente para não ser esquecida. Todos continuavam passando, em passos largos, com pressa, uns com medo, outros gargalhavam e, aquele ambiente se tornava cada vez mais insuportável, ainda mais pelo fato de cair uma "chuvinha" fina, pareciam até lágrimas do céu.
Por um momento pensei em pedir ajuda, lembrei então de uma Base Comunitária da Polícia Militar que não ficava muito longe do local. Na tentativa de buscar ajuda, avistei algumas pessoas que voltavam da Base da Polícia, estavam alvoraçadas e inconformadas, tanto com o episódio ocorrido com a pobre senhora, como estavam indignados com a resposta que os policiais deram: "Deixem que se matem, serão menos pessoas no mundo, teremos menos problemas para nos preocuparmos!".
Na realidade, fiquei tão chocada, que mal pude compreender de imediato, precisei de alguns instantes para perceber a gravidade de toda aquela situação. O descaso dos policiais com aquele acontecimento me fez refletir sobre a própria função dos policiais na sociedade, como é possível admitirmos declarações como essas? E de pessoas que deveriam, no mínimo, prestarem um serviço, que além de um dever, é uma forma de preservar a vida, entre outras coisas, deveríamos percebê-la como nosso maior bem.
A surpresa foi perceber o quanto a sociedade se tornou fragilizada diante de situações que deveriam exigir o mínimo de atenção. Como é de conhecimento de muitos, a miséria se alastra de maneira cada vez mais intensa, o curioso é constatar que alguns não conseguem perceber esse fato. E ainda mais curioso é, constatar também, que mesmo esses que se encontram em situações deploráveis sentem-se no direito de humilhar pessoas que se encontram na mesma situação.