sábado, 26 de junho de 2010

Desperdício


O caderno estava em cima da mesa, no lugar de sempre. A caneta continuava sem a tampa. Estava jogada. Usada. A tinta, aquilo que dava sentido à sua existência, estava quase chegando ao fim.

Algumas folhas amassadas viraram apenas um rascunho daquilo que poderia ter sido um belo texto. Por alguns momentos elas serviram como lenços. Sim, lenços. Testemunharam a presença de algumas gotas salgadas. Os motivos eram muitos. Por vezes eram de plena felicidade e, outras tantas, por pura falta de sorte.

A luminária estava acesa. Há muito tempo ela permanecia assim. Aquela que escrevia tinha forte dificuldade para enxergar. É certo que ela usava óculos, mas não adiantava. Por mais que usasse, continuava com a vista embaralhada. Não era só um problema físico. E ela sabia disso. Era frequente confundir coisas aparentemente inconfundíveis. A mãe chegou a lhe avisar: "Tome cuidado, menina! Você ainda pode se machucar". De fato, ela era tão desajeitada que sempre se machucava.

A poltrona vermelha, a estante na cor marfim, o tapete de crochê, a cortina lilás, as almofadas coloridas, o painel de fotos, os livros... E tantos outros detalhes compunham aquele universo. Seria quase impossível descrevê-los. Não por que faltasse palavras, mas tempo. Falar sobre aqueles objetos era tarefa fácil para ela. Ali estavam coisas que já faziam parte de sua vida há alguns bons anos. Mas não era isso que tornava a tarefa fácil. Afinal, objetos são fáceis
de descrever. É que ela julgava muito mais difícil a tarefa de descrever como ela se sentia. Aquilo sim era um martírio. Como falar sobre algo que você não sabe? E como não saber de algo que está dentro de você?

Tantas vezes ela prometeu não procurar mais respostas. Tantas vezes ela descumpriu essa promessa. Tinha sede por respostas! Mas, as perguntas, nesse caso, faziam o papel da fome. Portanto, se complementavam e nunca havia fim. Ela nunca estava satisfeita. Fome e sede, necessidade vital. Pergunta sem resposta diminuía seu tempo de vida. Era quase uma doença. Morria aos poucos.

Um silêncio desanimador tomava conta de sua mente e a fazia estremecer. Não era medo, não era frio. Era o silêncio do próprio vazio.




Ana Claudia Machado



1 comentários:

Thanna disse...

Certamente, está aqui uma autora que me levaria facilmente a ler o seu livro! =P

Vc sempre vai ser uma inspiração, Aninha! =P