domingo, 12 de setembro de 2010

Cativeiro



Aquela última conversa a deixaria nervosa por um mês.
E, desde quando ela ouviu a pronúncia daquelas frases numa noite gelada, sabia a preocupação que a aguardava. O frio não era exterior, mas interno. Congelava aos poucos por ter escutado aquilo. A sentença estava escrita. Foi uma leitura em voz baixa, quase tímida. Sentiu medo. Tremeu, de frio e de medo.

Ainda não havia terminado o prazo de 30 dias - se é que aquilo poderia ser chamado de prazo.
Mas, devido às consequências, ela se fez refém. Ou melhor: o mais provável é que alguém tenha feito isso por ela.

O cativeiro, assim como todos os cativeros possíveis, era o pânico em sua essência. Sua principal característica não deixava dúvidas sobre o motivo do terror: a privação da liberdade.
Cativeiros geralmente são escuros, fedorentos, inabitáveis.
Este não era diferente dos outros. Nem poderia ser. Talvez, tenha sido o pior de todos.

Suas mãos foram atadas. Sua boca amordaçada. Seus pés foram amarrados. Deitada naquele chão sujo, ela conseguia se mexer de maneira lenta e, ao mesmo tempo, desesperada. Os olhos não foram vendados, mas isso não significa que foram poupados. Mesmo sem vendas, ela não conseguia enxergar. A escuridão se misturava ao pavor que ela sentia.

Ela sabia que não estava no melhor lugar do mundo, mas temia descobrir ainda mais os segredos daquele lugar com cheiro de mofo. Tudo lá era abafado, assim como todos os sentimentos que tentavam escapar daquele coração, tantas vezes reprimido pelo choro que não saía.

Uma goteira insistente fazia questão de não deixar o lugar em silêncio. Contudo, aquilo lhe fazia companhia. Era uma forma de saber que ainda estava viva. A goteira era como o pulsar do seu coração. Aquela água, provavelmente suja, que batia no chão com toda força, era como o seu sangue clamando pela vida. Aquele barulho, quase estridente, a renovava a cada segundo.

"Você ainda está viva. Você ainda está viva!" - repetia para si mesma.

O problema é que quando ela tentava repetir "você vai sobreviver", a voz não saía. Mesmo porque, a mordaça a impedia. Mas, no fundo, ela sabia que mesmo se não estivesse amordaçada, não saberia responder.

Se tudo aquilo tivesse durado cinco minutos, já seria mais do que suficiente para aterrorizá-la eternamente. Mas não, aquilo já durava há 24.480 minutos. Aliás, é bom lembrar que se fosse para contar os minutos desde quando as "ameaças" começaram, eles teriam se aproximado da barreira de um ano. Faltaria pouco para completar o exorbitante número de 525.600 minutos.

Há muito tempo aquela situação era incompreensível, destruidora, insustentável.
Ela, que tanto temeu se render aos perigos que a cercava, se viu diante de um abismo. Ao invés de se afastar, se aproximou. Viu, em meio a escuridão, aquilo que hoje ela tem dificuldades em enxergar: o gosto pela aventura.

Não teve tempo para pensar. Se jogou. Sozinha. Sem medo. Sem amarras. Sem ninguém para impedi-la.
Foi como num voo. Sentiu-se livre. Aliás, uma queda livre.

Chegou ao fundo daquilo que imaginava ser o desespero eterno. Aquele buraco não tinha fim, não levava a lugar nenhum. Não trazia novidades a não ser a confirmação de que, realmente, era interminável.

A escuridão, até então desconhecida, abriu espaço para uma sensação que se tornaria parte de sua existência durante aqueles longos segundos, minutos, horas, dias, meses...quase 1 ano.



Ana Claudia Machado


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